Sincretismo Religioso
O Padre Bartolomeu de Lãs Casas, levado
pela piedosa intenção de preservar as vidas dos índios caraíbas, tentativa, aliás, sem resultados,
desempenhou, no século XVI, o papel de instigador do tráfico transatlântico de negros. Aliás, esse
tráfico África, Europa já existia há bastante tempo. Espanha e Portugal abasteciam-se, ainda que
modestamente, de escravos mouros e negros barbarescos do norte da África, ao longo da costa do
Atlântico. Os países barbarescos do norte da África faziam precisamente mesmo, capturando os
infiéis, neste caso os cristãos, e colocando esses cães a remar nos bancos das suas galeras. Em
contrapartida, os porões da galera estavam repletos de mouros.
Mas, voltando aos santos do paraíso católico, é certo que eles ajudaram os escravos a lograr e a
despistar os seus senhores sobre a natureza das danças que estavam autorizados a realizar, aos
domingos, quando se reagrupavam em batuques por nações de origem. Em 1758, o Conde dos Arcos,
sétimo vice-rei do Brasil, mostrava-se partidário de distrações dessa natureza, não por espírito
filantrópico, mas por julgar útil que os escravos guardassem a lembrança de suas origens e não
esquecessem os sentimentos de aversão recíproca que os levaram a se guerrear em terras da África.
Assim divididos, eles não se arriscariam a um levante em conjunto, como iriam faze-lo cinqüenta
anos mais tarde contra os seus senhores. Estes últimos, vendo os seus escravos dançarem de acordo
com os seus hábitos e cantarem nas suas próprias línguas, julgavam não haver ali senão divertimentos
de negros nostálgicos. Na realidade, não desconfiavam que o que eles cantavam, no decorrer de tais
reuniões, eram preces e louvações a seus orixás, a seus vodun, a seus inkissi. Quando precisam
justificar o sentido dos seus cantos, os escravos declaravam que louvavam, nas suas línguas, os santos
do paraíso. Na verdade, o que eles pediam era ajuda e proteção aos seus próprios deuses.
Não se pode afirmar que já se tratava de sincretismo entre os deuses da África, por um lado, e os
santos católicos, por outro, pois, no século XVIII, as características das divindades africanas eram
ainda desconhecidas dos senhores e do clero português, enquanto os escravos não podiam também
conhecer os detalhes da vida dos santos.
As primeiras menções às religiões africanas no Brasil são de 160, por ocasião das pesquisas do Santo
Oficio da Inquisição, quando Sebastião Barreto denunciava o costume que tinham os negros, na
Bahia, de matar animais, quando de luto… Para lavar-se no sangue, dizendo que a alma, então,
deixava o corpo para subir ao céu. Por volta da Costa da Mina que fazia bailes às escondidas, com
uma preta mestra e com altar de ídolos, adorando bodes vivos, untando seus corpos com diversos
óleos, sangue de galo e dando a comer bolos de milho depois de diversas bênçãos supersticiosas…
É difícil precisar o momento exato em que esse sincretismo se estabeleceu. Parece ter-se baseado, de
maneira geral, sobre detalhes das estampas religiosas que poderiam lembrar certas características dos
deuses africanos.
Pode parecer estranho, à primeira vista, que Xangô, deus do trovão, violento e viril tenha sido
comparado a São Jerônimo, representado por um ancião calvo e inclinado sobre velhos livros, mas
que é freqüentemente acompanhado, em suas imagens, por um leão docilmente deitado a seus pés. E
como o leão é um dos símbolos de realeza entre os iorubás, são Jerônimo foi comparado a Xangô, o
terceiro soberano dessa nação.
A aproximação entre Obaluaê e São Lázaro é mais evidente, pois o primeiro é o deus da varíola e o
corpo do segundo é representado coberto de feridas e abscessos.
Iemanjá, mãe de numerosos outros orixás, foi sincretizada com Nossa Senhora da Conceição, e Nanã
Buruku, a mais idosa das divindades das águas, foi comparada a Sant´Ana, mãe da Virgem Maria.
Oiá-Iansã, primeira mulher de Xangô, ligada às tempestades e aos relâmpagos, foi identificada com
Santa Bárbara. Segundo a lenda, o pai dessa santa sacrificou-a devido à sua conversão ao
cristianismo, sendo ele próprio, logo em seguida, atingido por um raio e reduzir a cinzas.
A relação entre o Senhor do Bonfim e Oxalá, divindade da criação, é mais dificilmente explicável, a
não ser pelo imenso respeito e amor que ambos inspiram.
Na Bahia, São Jorge é identificado com Oxóssi, deus dos caçadores, mas, no Rio de Janeiro, é ligado
a Ogum, deus da guerra, o eu é compreensível em relação aos dois orixás, pois São Jorge é
apresentado nas gravuras como um valente cavaleiro, vestido em brilhante armadura, montado sobre
um cavalo ricamente ajaezado em ferro, que bate no chão com as patas e caracola. Armado com uma
lança, São Jorge da Capadócia Mata um dragão enfurecido, caça predileta do deus dos caçadores.
Para maior satisfação do deus dos guerreiros, no Rio de Janeiro, desde os tempos do Império,
São Jorge aparecia nas procissões montado num cavalo branco, com honras de coronel
e recebendo as continências da tropa à sua passagem. Na Bahia, porém, é com Santo Antônio que
Ogum vai ser sincretizado.
Esta aproximação entre Ogum, deus da guerra, e Santo Antônio parece surpreendente, pois o santo é
geralmente representado com uma aparência suave e atraente, trazendo uma flor-de-lis na mão e
carregando, em seus braços, o Menino Jesus. Foi, no entanto, cognominado o martelador dos
heréticos por causa da extrema violência verbal que usava para fustigar os maus pensadores e os
monges sacrílegos. A chave do mistério dessa estranha associação nos é dada nas recordações das
viagens feitas, em 1839, por Daniel P. Kidder: Uma frota o escrevia, comandado por luteranos,
deixou a Franças em 1595, com a intenção de conquistar a Bahia. No caminho, os protestantes
atacaram Argoim, uma ilhota ao largo da costa da África, pertencente aos portugueses, e, depois de se
atirarem ao saque e à destruição, levaram entre outras coisas uma imagem de Santo Antônio. Logo
que prosseguiram viagem, foram atacados por uma forte tempestade, o que causou a perda de vários
navios. Os que escaparam à tormenta foram acometidos pela peste, e durante essa provação, por ódio
ao catolicismo, jogaram a imagem no mar, após terem-na mutilado com golpes de facão. O navio que
transportava chegou a um porto de Sergipe, onde todos os que estavam a bordo foram presos.
Mandados para a Bahia, a primeira coisa que viram na praia foi à imagem que tanto haviam
maltratado… Os frades franciscanos levaram-na, em solene procissão, para o seu convento… Mas os
frades, malsatisfeitos com a aparência velha e feia da imagem, substituíram-na por outra imagem,
mais pomposa e elegante e que foi batizada com o mesmo, tendo, em princípio, herdado sua
virtudes… Santo Antônio foi alistado, como soldado, no Forte da Barra, que tem o seu nome. Como
soldado, recebeu regularmente o soldo até que foi promovido ao posto de capitão, em 16 de julho de
1705, pelo governador Rodrigo da Costa. A Cópia da ordem, dada por aquele governador, está
publicada no livro de Kidder e determina que o procurador do convento está autorizado a receber o
montante deste soldo de capitão. Durante a última guerra mundial, Santo Antônio foi promovido a
major. Os franciscanos da Bahia conservam o uniforme de gala oferecido por uma rica devota. Debret
relata as horárias militares concedidas a santo Antônio nas diferentes províncias do Brasil. Fala,
talvez com exagero, do seu título de marechal dos exércitos do rei João VI e de comendador da Ordem
de Cristo na Bahia, de coronel e grã-cruz da Ordem de cristo no Rio de Janeiro, ou mesmo, mais
modestamente, de simples cavalheiro de cristo no Rio Grande.
Ao que parece, certos membros do clero católico julgaram conveniente favorecer esse sincretismo,
como o Padre Boucher havia sugerido, na própria África, ao descrever a estátua da Iangbá, mulher de
Oxalá, nos seguintes termos: esta deusa que muito se parece com a Santa Virgem, pois tanto uma
como a outra salvaram os homens.
Os santos católicos, ao se aproximarem dos deuses africanos, tornavam-se mais compreensíveis e
familiares aos recém-convertidos. É difícil saber se essa tentativa contribuiu efetivamente para
converter os africanos, ou se ela os encorajou na utilização dos santos para dissimular as sua
verdadeiras crenças. É o que Nina Rodrigues indagava em 1890, numa época em que o sincretismo
entre orixás e santos católicos ainda estava em formação e onde a equivalência entre eles era flutuante
e variável de acordo com os terreiros. Existia ainda, na época, a tendência de se identificar Xangô
com Santa Bárbara, como se vê até hoje em Cuba, apesar da diferença de sexo, pois o argumento das
relações com o trovão parecia dominar. Nina Rodrigues escrevia, então: Aqui na Bahia, como em
todas as missões de catequese dos negros africanos, seja ele católico, protestante ou maometano,
longe de o negro converter-se ao catolicismo, protestantismo ou ao islamismo, acontece, ao contrário
influenciá-los com seu fetichismo e adapta-los ao animismo do negro.
Basta, para compreender o fenômeno, assistir aos serviços divinos nos templos protestantes do
Harlem, em Nova York, ou mesmo na África, aos cultos de numerosas seitas mais ou menos
sincréticas, como a dos querubins e Serafim, onde os fiéis são visitados e possuídos, violentamente
algumas vezes, pelo Espírito Santo.
Nos candomblés, as duas religiões permanecem separadas, e Nina Rodrigues constatava que, em fins
do último século, a conversão religiosa não fez mais que justapor as exterioridades muito mal
compreendidas do culto católico às suas crenças e práticas fetichistas que em nada se modificaram.
Concebem os seus santos ou orixás e os santos católicos como de categoria igual, embora
perfeitamente distintos.
Os africanos escravizados se declaravam e aparentavam convertidos ao catolicismo; as práticas
fetichistas puderam manter-se entre eles até hoje quase tão estremes de mescla como na África.
Depois, as viagens constantes para a África com navegação e relações comerciais diretas…
Facilitaram a reimportação de crenças e práticas, porventura um momento esquecido ou adulterado.
Com o passar do tempo, com a participação de descendentes de africanos e de mulatos cada vez mais
numerosa, educada num igual respeito pelas duas religiões, tornaram-se eles tão sinceramente
católicos quando vão à igreja, como ligados às tradições africanas, quando participam, zelosamente,
das cerimônias de candomblé.
lista de emails
Set 04, 2012 @ 06:54:01
hey there, i liked you blog, it is kinda good. keep up the work. lista de emails lista de emails lista de emails lista de emails lista de emails
lilamenez
Set 27, 2012 @ 18:49:37
Cláudia, obrigada por ter gostado do meu site sobre sincretismo religioso. Volte sempre